XI - Vista Cansada

Enquanto reorganizava, pela milésima vez, meus velhos papéis, encontrei uma velha fotocópia escolar da crônica 'Vista Cansada' de Otto Lara Resende. Nela, o autor conta como o costume cotidiano de tanto enxergar as mesmas coisas o impede de vê-las realmente. Em determinado momento apresenta a dúvida: não se lembra bem, mas acha que foi Hemingway quem disse para vermos as coisas como se as víssemos pela última vez. Entretanto, Otto discorda do escritor americano ao dizer que essa idéia soa muito triste, algo como um adeus. Ele acreditava que deveríamos ver tudo como se fosse a primeira vez.

Na minha singela opinião, há felicidade demais em ver tudo com ineditismo. E há felicidade de menos em ver tudo com ar de despedida. Não seria muito mais fácil se simplesmente acordássemos de bom humor e víssemos tudo como novidade? Tamanho exercício durante um dia cansaria não só os olhos, mas a mente também, e naturalmente deixaríamos de enxergar as coisas ao nosso redor para apenas vê-las.

Podemos igualmente inverter a situação: para aqueles, como eu, que acordam mais mal humorados e pequenas coisas lhes fazem ganhar o dia ou mudar a situação. A sensação de despertar apenas se faz maior, vendendo o cansaço, enquanto o dia progride. Ao final, de tão dispostos, é a hora de que tudo flui, tudo fica nítido, tudo ganha cores.

Nada importa, pois ao fecharmos os olhos não veremos mais e ao dormirmos não enxergaremos. Talvez, antes mesmo de dormir, sejamos bem ou mal humorados, nos dê uma certa saudade do dia que passou, de ter feito uma escolha certa ou errada e conseqüentemente a convicção ou o arrependimento.

Apagam-se os olhos e fecham-se as luzes, para tudo que foi visto enquanto lúcidos seja manifestado, sem saber, entre sonhos e pesadelos, antes de acordar em um novo dia no qual poderemos deixar de ver por opção ou enxergar sem querer.

X - Estímulos à Subversão da Ordem Social

Parece sacanagem: em pleno ano de 2008 um juiz proíbe a venda de dois jogos em cenário nacional. Tá certo que nem é notícia nova mais, mas eu fico inconformado com a situação. E entre os diversos fatores da revolta, o primeiro deles é a censura à – já discriminada – indústria de jogos. Tudo por que subverteriam a ordem social. “Tem gente com uma visão muito superficial da coisa...”, já dizia Matias (é, o da Tropa de Elite)...

Aliás, por falar em Tropa de Elite, com uma mente medíocre assim, por que não censurar o filme? Talvez devêssemos fazer cortes brutos nos cinemas, telenovelas (pornografia em horário nobre!), telejornais (e hoje vi um maluco pelas ruas de Belém do Pará disparando, SIM, DISPARANDO, NA VIDA REAL por aí). Há muita diferença no conteúdo? Na mensagem? Na subversão da ordem social?

E o imbecil do juiz, ainda por cima, tão sem critério que é, vetou apenas dois jogos, Counter Strike e Everquest. Além de serem jogos antigos, existem milhares de clones desses jogos, e alguns mais avançados em inteligência artificial e até mesmo mais violentos. Ou as palavras certas seriam subversivos sociais?

Talvez a dona Maria, muito beata que é, reclame da violência em certos jogos. Toda mãe, espero e acredito, se preocupa com o que o filho vê/ouve/interage/etc. E se a dona Maria não quer que seu filho jogue Counter Strike ou Everquest, ela que o proíba. Mas ela que não subverta a liberdade de expressão e nem do poder de compra.

A imoralidade da história toda fica por conta de privar consumidores de comprar produtos e no fato de que ainda ocorra censura em plena democracia. Ora! Seja uma música, uma revista, um filme ou um jogo, todos possuem indicação de conteúdo e é adequado a determinado público.

Fora a explendorosa desculpa de que tais jogos seriam “estímulos à subversão da ordem social”. Ora, meu caro amigo juiz Carlos Alberto Simões de Tomaz, se for assim, vamos proibir as crianças de brincarem de polícia e ladrão nas escolas também. Subversão social é o sistema judiciário do Brasil que faz.