VII - O Pequeno Devaneio

(escute Imagine enquanto lê)

Fui à praça no final de tarde para pegar o ônibus como em qualquer dia comum, mas da última vez havia um pequeno garoto que carregava consigo um pequeno livro de capa branca e azul com o desenho de um menininho loiro. A capa me pareceu familiar e numa rápida olhadela para inspecionar qual seria o livro eis a minha encantadora surpresa, O Pequeno Príncipe. Fiquei absorto, embriagado em felicidade ao ver que um mini-ser em formação segurava um dos livros que inconfundivelmente foi um dos meus preferidos durante a infância e ao mesmo tempo passou rapidamente a idéia absurda de tentar discutir com o guri sobre o livro – claro que foi mais passageira do que a vida de uma mosca: até imaginar quão patética seria a cena de um completo desconhecido tentando argumentar com uma criança no meio de uma praça sobre o poder que a obra de Antoine de Saint Exupéry poderia exercer. O pobre menininho não entenderia bulhufas.

E como alguém pode querer argumentar tanto sobre um livro “infantil”? Bom, não me recordo quem foi que disse, mas lá vai: “é bom reler ‘O Pequeno Príncipe’ numa periodicidade de oito anos – e, pasme, há estudos sobre isso”. A razão pela qual devemos retornar à obra é que a significância dos escritos muda de acordo com a nossa vivência, que cada frase adquire um novo sentido e magnitudes diferentes com o que experimentamos através dos anos...

Particularmente lembro bem de um trecho no qual há um impasse: o pequeno príncipe quer ver o que é uma ovelha e pede ao homem, “Me desenhe uma ovelha!”, pois o principezinho nunca havia visto uma e logo o homem retruca “Como pode saber que existe uma ovelha se nunca viu uma?”, e então o pequeno príncipe diz, “Se eu imagino uma ovelha, isso prova que existe”. Ai! Quando eu era criança poderia brincar por horas sem fim imaginando mundos e vivendo neles. Para mim, eles existiam, é isso o que importa – e ainda hoje posso me lembrar de pequeninos e singelos detalhes, muito obrigado pelo " que boa memória, hein!".

(Por favor, segundos de intermitência para que seu nostálgico autor se situe no tempo-espaço presente). Então qualquer coisa que eu queira imaginar, e só pelo simples fato de imaginar, ela existe. Eis a maior prova que a verdade é subjetiva... Poderíamos levantar mil questões filosóficas e da nossa vida mundana a respeito de cada frase.

Quem irá dizer que a utopia não existe? Para um religioso, quem irá dizer que não existe um deus? O que existe para você, será que existe para todo mundo também? E o que tudo de incrível que imaginamos e fazemos então existir e nos faz felizes, será que isso faz as outras pessoas felizes também? O pequeno e fantástico livro tem como premissa que ‘o essencial é invisível aos olhos’. Eu acredito? Eu imagino que sim – e, lembre-se, imaginar é fazer existir. Não foi Antoine quem disse, essa frase foi do John: imagine, é fácil se você tentar.

VI - Átomos e o Milagre da Vida

Para começar, para que você esteja aqui e agora, trilhões de átomos deslizantes tiveram que de alguma forma se juntar de uma maneira intrincada e intrigantemente generosa para te criar. É um arranjo tãããão especializado e peculiar que nunca foi testado antes e apenas existirá desta vez. Pelos próximos muitos anos nós esperamos que essas pequenas partículas se juntem sem reclamar em todos os bilhões de esforços habilidosos e cooperativos necessários para te manter intacto e deixar você experimentar o supremamente prazeroso, mas geralmente menosprezado, estado conhecido como existência.

Por que os átomos se deram ao trabalho disso tudo é um enigma. Ser você pode não ser uma experiência muito gratificante quando se está em tamanho atômico. Por toda a atenção devotada deles, seus átomos não se importam com você – na verdade, eles nem sabem que você está aí. Eles são partículas sem mentes e, portanto, nem mesmo estão vivos. (É um pensamento um tanto impressionante que se você pudesse se desfazer com uma pinça, um átomo de cada vez, você seria um montículo de poeira atômica, nenhum deles jamais foi vivo, mas todos eles foram uma vez você). E mesmo assim, pelo período da sua existência, tudo que farão será manifestar um único impulso incontrolável: manter você você.

A má notícia é que os átomos são inconstantes e seu tempo de devoção é breve-breve de fato. Até mesmo uma longa vida humana soma somente 650.000 horas. E quando essa modesta ‘milhagem’ passar como um raio, ou em qualquer outro ponto próximo disso, por razões desconhecidas seus átomos te desligarão, se desassociarão silenciosamente, e então irão para outras coisas. E isso foi o que você teve por direito.

É tudo absolutamente estranho, porque os átomos que tão livre e simpaticamente uniram forças para formar coisas vivas na Terra são exatamente os mesmos átomos que se negam a fazê-lo em qualquer outro lugar. Qualquer outra coisa que possa ser, no aspecto da química, a vida é curiosamente mundana: carbono, hidrogênio, oxigênio, e nitrogênio, um pouco de cálcio, um punhado de enxofre, uma pitadinha de quaisquer outros elementos comuns – nada que não possa encontrar em uma farmácia comum – e isso é tudo que você precisa. A única coisa especial sobre os átomos que fazem você é que eles fazem você. Isso é, certamente, o milagre da vida.