XI - Vista Cansada

Enquanto reorganizava, pela milésima vez, meus velhos papéis, encontrei uma velha fotocópia escolar da crônica 'Vista Cansada' de Otto Lara Resende. Nela, o autor conta como o costume cotidiano de tanto enxergar as mesmas coisas o impede de vê-las realmente. Em determinado momento apresenta a dúvida: não se lembra bem, mas acha que foi Hemingway quem disse para vermos as coisas como se as víssemos pela última vez. Entretanto, Otto discorda do escritor americano ao dizer que essa idéia soa muito triste, algo como um adeus. Ele acreditava que deveríamos ver tudo como se fosse a primeira vez.

Na minha singela opinião, há felicidade demais em ver tudo com ineditismo. E há felicidade de menos em ver tudo com ar de despedida. Não seria muito mais fácil se simplesmente acordássemos de bom humor e víssemos tudo como novidade? Tamanho exercício durante um dia cansaria não só os olhos, mas a mente também, e naturalmente deixaríamos de enxergar as coisas ao nosso redor para apenas vê-las.

Podemos igualmente inverter a situação: para aqueles, como eu, que acordam mais mal humorados e pequenas coisas lhes fazem ganhar o dia ou mudar a situação. A sensação de despertar apenas se faz maior, vendendo o cansaço, enquanto o dia progride. Ao final, de tão dispostos, é a hora de que tudo flui, tudo fica nítido, tudo ganha cores.

Nada importa, pois ao fecharmos os olhos não veremos mais e ao dormirmos não enxergaremos. Talvez, antes mesmo de dormir, sejamos bem ou mal humorados, nos dê uma certa saudade do dia que passou, de ter feito uma escolha certa ou errada e conseqüentemente a convicção ou o arrependimento.

Apagam-se os olhos e fecham-se as luzes, para tudo que foi visto enquanto lúcidos seja manifestado, sem saber, entre sonhos e pesadelos, antes de acordar em um novo dia no qual poderemos deixar de ver por opção ou enxergar sem querer.