Certa vez, um homem comum, nada diferente dos outros homens comuns, foi ao seu governante, o rei, fazer reivindicações – assim como ainda se faz hoje. Queria insistentemente um barco, ficaria plantado por dias sem fim na frente de seu governo para conseguí-lo. Novamente, assim como nos dias atuais (talvez uma incômoda herança), a burocracia era de desmotivar até mesmo os mais convictos. Os pedidos populares eram entregues às pessoas que poderiam ou não passá-los adiante, de acordo com o humor.
Bem, caro leitor, pois tal homem estava tão convicto de querer um barco (talvez fosse pura vontade de atordoar seu rei e protestar, mas nunca saberemos) que, inacreditavelmente conseguiu uma audiência com o rei. Ao contrario de sua burocracia – e também de seu povo – o rei não tinha tempo por perder (é verdade que mais por suas vaidades do que necessidades). Perguntou prontamente: “Quem é você e o que quer?”; “Me dá um barco!” – quase que impôs o nosso protagonista de poucos modos, pouca cultura e poucas formalidades – culpa do sistema educacional do reino. “Espero que tenha um bom motivo para pedi-lo”, instigou com ironia o monarca, “Quero conhecer ilhas desconhecidas”, “Creio que isso seja impossível, uma vez que conhecemos todas”, “Você tem medo do desconhecido, só porque ninguém o conseguiu ainda, não significa que seja impossível”. O rei parecia relutante, mas considerou dar tal barco quando ponderou como poderia repercutir caso o negasse. O rei também renunciou a posse das ilhas (não sem lutar um pouquinho) e encaminhou o homem ao porto para que recebesse um barco.
O problema em chegar ao porto é que, além da capital do reino se situar no centro do território, deveria carregar junto em sua jornada a mulher da limpeza – primeira pessoa que atendeu nosso protagonista na busca pelo barco. “Contenção de despesas”, palavra do rei. A capital do reino era longe do litoral, longe dos grandes centros, longe de tudo e ninguém tinha certeza do porquê. Alguns diziam que era por proteção do território, outros diziam que era porque os reis anteriores não queriam ouvir os protestos populares. A única certeza é que a capital do reino era obra faraônica, produto da vaidade dos reis. Talvez o nosso herói buscasse uma ilha desconhecida por exílio. Em todo caso, o homem conseguiu seguir rumo ao porto, chegando lá conheceu o capitão, recebeu barco e faltavam apenas os preparativos para zarpar.
A ex-mulher da limpeza, quando viu o barco, gritou “É o meu! É o meu!”, o homem nada disse – apenas levantou sua sobrancelha direita em descrença. Achou melhor buscar tripulação. Passou todo um dia fora, enquanto a mulher parecia a responsável do barco e quanto mais passava o tempo, mais se iludia. O homem chegara à noitinha: “Mulher, ninguém compra nossa causa, partiremos sozinhos amanhã de manhã”. O céu já se cobria por um manto negro e logo dormiram.
Não se sabe bem se o que vem a seguir aconteceu de verdade ou foi puro delírio do homem, mas quando acordou havia uma tripulação à sua espera do lado de fora, não sabiam que buscariam uma ilha que ninguém conhece, pois nosso futuro capitão se prontificou em perguntar: “Quem são vocês, o que querem por aqui?”, “Apenas sabemos que temos que sair daqui”, responderam.
Zarparam, e o homem enciumava-se porque sua mulher da limpeza encontrava-se rodeada de homens pelo navio. Logo mais tarde, lhe perguntaram, “Aonde vamos?”, “A descobrir novos lugares, ilhas desconhecidas!” – respondeu satisfeito o homem, mas acabara por instaurar o motim. Sem pensar duas vezes, atiraram o homem e a mulher ao mar. Estavam à deriva, desacordados. Passaram-se horas, até mesmo (quem sabe) dias. O homem acordou, viu a mulher sentada na orla, e via-se numa minúscula ilhotinha; se dirigiu a mulher e perguntou: “Onde estamos? Que faremos?”. A mulher, com um olhar melancólico, respondeu: “Tudo que sei é que não estamos nos mapas, que quero sair daqui e nenhum rei por perto há para pedir-lhe um outro barco”.
Mal sabiam os náufragos que estavam em uma ilha inóspita de seu antigo reino, mal supervisionada e perdida no território colossal, assim como um pequeno barco no vasto oceano, esquecida.